Despedida a um Amigo
Luis Valentin
06/07/03
Comentário: Meu amigo JB, contraiu a terrível ELA -
esclerose lateral amiotrófica - doença que faz a musculatura perder seu tônus.
Primeiro as pernas, depois os braços e no final o restante dos músculos.
Não há cura. A morte é certa e, geralmente, ocorre 24 meses depois do primeiro
sintoma.
Quando estes apareceram, JB demorou quase 12 meses para
conseguir um diagnóstico correto. Quando fiquei sabendo do que se tratava,
aprendi tudo o que se podia sobre a tal ELA e fiquei num dilema se contava ou
não a ele qual seria o prognóstico. Todos estavam escondendo isso. Ele era uma
pessoa instruída, culta, lógica e muito realista. Então decidi perguntar se ele
queria saber a verdade. Sua resposta foi:
- É claro!
Isso foi dito com tal ênfase, que não tive dúvidas.
Contei-lhe tudo sobre a ELA. Ele estava sentado, ainda andava com dificuldade e
escutou sem pestanejar.
- Quanto tempo tenho? - perguntou
calmamente.
- Em geral, 24 meses depois do primeiro sintoma
- respondi
Ele deu um sorrisinho e falou:
- Me dê seu copo.
Dizendo isso, encheu nossos copos - estávamos tomando um
vinho branco - e mudou de assunto, como se nada tivesse acontecido. Essa era a
reação que eu sabia que ele ia ter. Morreu em 31 de julho de 2003, completamente
paralisado, 25 dias depois que lhe mandei essa carta, no dia de seu aniversário,
como despedida.
L Valentin
JB, velho amigo.
O que posso te dizer nessa hora?
Quisera poder ordenar: “surge et
ámbula” mas, ninguém melhor que nós dois para saber tão bem dessa
impossibilidade. Esse seria o único desejo a almejar.
Assim, nada trago para ti, a não ser uma palavra de reconhecimento.
Não te preocupes com o presente e goze
agora tuas lembranças. Recorda-te do que viveste, o que fizeste, teus
acertos e teus enganos. Se puderes, escreva tuas memórias, pois as palavras
perdem-se e a escrita se mantém.
Encare tua existência como missão
cumprida, como contribuição válida para a desordem natural do cosmos em sua
viagem rumo ao zero absoluto.
Não te lamentes por aquilo que deveria
ser feito e não fizeste; antes, rejubila-te com teus feitos, pois eles
representaram o melhor de ti.
Não te consideres inútil, pois há tempo
para tudo e cada época, de todos, requer procedimentos bem definidos e
imutáveis. Tenha em mente que na natureza não há castigos ou recompensas,
apenas conseqüências; e que dela somos parte e não podemos fugir às suas
leis.
Por fim, faze valer a inteligência
especial que nossa espécie conseguiu desenvolver. Assume o controle do
processo e, como os seres de outras cepas viventes, trilhe serenamente o
caminho que deve ser percorrido. Sem promessas, sem aspirações, sem Caronte,
sem medo.
Essa é a mensagem que trago a ti. Mesmo
sempre ciente da máxima “memento homo, quia pulvis es et in púlverem
reverteris” acredito que sair do pó e passar pela experiência da vida
já foi um grande e recompensador privilégio para todos.
Do amigo
Luis
06/07/2003
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