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18 de abr. de 2013

Despedida a um Amigo

06/07/2003

Despedida a um Amigo
Luis Valentin
06/07/03

Comentário: Meu amigo JB, contraiu a terrível ELA -  esclerose lateral amiotrófica - doença que faz a musculatura perder seu tônus. Primeiro as pernas, depois os braços  e no final o restante dos músculos. Não há cura. A morte é certa e, geralmente, ocorre 24 meses depois do primeiro sintoma.
Quando estes apareceram, JB demorou quase 12 meses para conseguir um diagnóstico correto. Quando fiquei sabendo do que se tratava, aprendi tudo o que se podia sobre a tal ELA e fiquei num dilema se contava ou não a ele qual seria o prognóstico. Todos estavam escondendo isso. Ele era uma pessoa instruída, culta, lógica e muito realista. Então decidi perguntar se ele queria saber a verdade. Sua resposta foi:
- É claro!
Isso foi dito com tal ênfase, que não tive dúvidas. Contei-lhe tudo sobre a ELA. Ele estava sentado, ainda andava com dificuldade e escutou sem pestanejar.
- Quanto tempo tenho? - perguntou calmamente.
- Em geral, 24 meses depois do primeiro sintoma - respondi
Ele deu um sorrisinho e falou:
- Me dê seu copo.
Dizendo isso, encheu nossos copos - estávamos tomando um vinho branco - e mudou de assunto, como se nada tivesse acontecido. Essa era a reação que eu sabia que ele ia ter. Morreu em 31 de julho de 2003, completamente paralisado, 25 dias depois que lhe mandei essa carta, no dia de seu aniversário, como despedida.

L Valentin


JB, velho amigo.
 
O que posso te dizer nessa hora? 

Quisera poder ordenar: “surge et ámbula” mas, ninguém melhor que nós dois para saber tão bem dessa impossibilidade. Esse seria o único desejo a almejar. Assim, nada trago para ti, a não ser  uma palavra de reconhecimento.
 
Não te preocupes com o presente e goze agora tuas lembranças. Recorda-te do que viveste, o que fizeste, teus acertos e teus enganos. Se puderes, escreva tuas memórias, pois as palavras perdem-se e a escrita se mantém.
 
Encare tua existência como missão cumprida, como contribuição válida para a desordem natural do cosmos em sua viagem rumo ao zero absoluto.
 
Não te lamentes por aquilo que deveria ser feito e não fizeste; antes, rejubila-te com teus feitos, pois eles representaram o  melhor de ti.
 
Não te consideres inútil, pois há tempo para tudo e cada época,  de todos, requer procedimentos bem definidos e imutáveis.  Tenha em mente que na natureza não há castigos ou recompensas, apenas conseqüências; e que dela somos parte e não podemos fugir às suas leis.
 
Por fim, faze valer a inteligência especial que nossa espécie conseguiu desenvolver. Assume o controle do processo e, como os seres de outras cepas viventes, trilhe serenamente o caminho que deve ser percorrido. Sem promessas, sem aspirações, sem Caronte, sem medo.
 
Essa é a mensagem que trago a ti. Mesmo sempre ciente da máxima “memento homo, quia pulvis es et in púlverem reverteris”  acredito que sair do pó e passar pela experiência da vida já foi um grande e recompensador privilégio para todos.
Do amigo
Luis
06/07/2003