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6 de nov. de 2017

Para descontrair: Como conheci Peach Melba

Peach Melba 

Estamos no meio da década de 1960. Talvez em 1965 ou 1966. Eu estava com mais de 15 anos e somente estudava à noite. Passava o dia inteiro estudando, lendo e cumprindo tarefas em casa, como cuidar da horta e do galinheiro.

Os ganhos de meu pai como professor do ensino médio eram suficientes para o sustento da família, mas de uma forma espartana, tudo gerenciado por minha mãe, uma mestra em economia e no milagre de fazer o dinheiro render.

Isso tinha várias consequências: não tínhamos automóvel e cada filho tinha apenas 3 pares de calçados que deveriam durar todo o ano: um para a missa e ocasiões especiais, outro para o dia a dia e um par de tênis chamado na época de quedis, (cujo modelo copiando o All Star era fabricado pela Germade) para as aulas de educação física. Detalhe: ninguém usava tênis fora da escola.

Outra consequência era ninguém ter mesada. O dinheiro não dava para isso. O máximo que se conseguia era dinheiro para a entrada do cinema, na matinê aos sábados. Se a entrada custava, por exemplo, 2 reais, meu pai dava 2,50 (claro que não me lembro qual era o valor verdadeiro).
A padaria ficava onde hoje é a loja Singer
Partindo para o cinema a pé,  o troco era economizado para se comprar algo extra, como uma coca-cola na bar da esquina ou uma revista em quadrinhos (que meu pai rasgava, se a encontrasse)

Em minhas andanças, descobri no centro da cidade uma padaria que tinha sido inaugurada recentemente. Seu nome era “Padaria Guaíra”. Além  de ser nova,  apresentava um balcão com bancos giratórios onde se poderia sentar e comer um lanche ou um dos maravilhosos sorvetes da Kibon, anunciados por grandes e belas fotos de sorvetes que decoravam a parede atrás do balcão.

As fotos eram enormes e eu, meio bicho do mato, ficava babando só de vê-las quando passava pela calçada. Aqui é preciso entender que era raríssimo entre nós (na minha casa) tomar um sorvete. Isso era um luxo que talvez meu pai se permitia uma ou duas vezes por ano. Geralmente tínhamos essas regalias no Natal e na Páscoa, datas em que ele fazia questão de comemorar com fartura.

Daí que, muitas vezes eu entrava nesta padaria, sem dinheiro no bolso, e perguntava o preço de algum tipo de pão, só para olhar as fotos de sorvete de perto. Havia uma de Banana Split, outra de uma taça com três bolas coloridas, duas de milk shake, uma de sundae e uma de peach melba.
Outro detalhe é que em cada foto vinha o nome e o preço sugerido. Depois de decorar as fotos, tomei uma decisão: iria comprar o tal de peach melba, que era o mais caro e parecia o mais gostoso. Lógico que não me lembro do preço, mas sei que valia mais que quatro entradas no cinema. Isso porque esse era o único dinheiro que ganhava e fazia as referências por ele.

Desse modo resolvi que não podia deixar de ir ao cinema, mas poderia economizar e guardar os centavos até ter o valor necessário. Assim fiz e colocava toda moeda que aparecia em uma lata de salsicha, escondida no sótão, onde meus irmãos não tinham acesso.

Explicando: a entrada do sótão era no teto da área de serviço e precisava de uma escada para subir até ela. Havia uma mesa por perto e eu subia na mesa e dela me alçava até o buraco. Eu era um atleta....Isso os moleques não conseguiam fazer e nem estavam dispostos a trazer uma escada até ali. Outro detalhe: eu somente subia lá quando tinha certeza que ninguém estava vendo.

Assim, depois de alguns meses, acho que quase um ano, pois de vez em quando era obrigado a gastar um pouco das economias, por fim estava com mais do que a quantia necessária para gastar com o sorvete.



Planejei a ação. Depois do cinema no sábado, passaria na padaria, me sentaria em um dos bancos giratórios do balcão, conferiria o preço e mandaria saltar um belo peach melba. Mas não poderia ser um sábado qualquer. A condição principal seria a padaria estar com poucos clientes. Eu era tímido e envergonhado e temia ser alvo de chacotas das pessoas – principalmente de jovens -  caso algo saísse errado.
Então, depois do cinema, passava devagar diante da padaria olhando para dentro. Se tivesse muita gente eu não entrava. O pior é que sempre tinha gente. Assim passaram-se os sábados, até que chegou o dia em que somente havia três pessoas lá dentro, todos velhos. Decididamente entrei e fui até o balcão e sentei-me.

Logo apareceu uma mocinha e perguntou o que eu queria.
- Quero um peach melba – disse eu tentando aparentar naturalidade
- O quê? – respondeu ela sem entender
- Um sorvete – expliquei
- Qual ? – tornou a perguntar ela
- Aquele ali – disse eu, apontando para a foto do peach melba
A moça se virou e olhou para a foto demoradamente, como se nunca a tivesse visto. E se voltou para mim:
- Espere um pouco – disse, enquanto sumia pelos fundos da loja
Após alguns instantes retornou e informou:
- Esse aí tá em falta
- Quero então uma banana Split – disse eu, já apontando para a foto em questão.
A moça olhou novamente para a foto e sumiu de novo para os fundos da loja, sem dizer uma palavra. Voltou bem rápido
- Olha aqui, moço. O gerente mandou dizer para você não pedir nada que está nos cartazes, pois aqui ninguém sabe como fazer nenhum deles. Só dá para vender sorvete na casquinha e isso é tudo.


Sentindo-me o maior idiota do mundo, olhei para os lados e percebi aliviado que ninguém estava testemunhando esse mico. Para disfarçar  perguntei quais os sabores que tinha, pedi uma casquinha com sorvete de coco, paguei e saí dali apressado.

Andando de volta para casa, comendo o sorvete com raiva, estava cada vez mais aborrecido, pois achava que cada pessoa que cruzava comigo na rua estava rindo de mim. Nesse dia comecei aprender uma lição sobre como as coisas funcionam no Brasil, e nunca mais entrei na tal padaria.
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A história

Peach Melba é uma sobremesa afamada em hotéis de luxo, principalmente na Europa. Foi  criada por um chef francês Auguste Scoffier em homenagem a sua amiga, a cantora de ópera Nellie Melba, no início dos anos 1900, quando ele era chef do Hotel Savoy em Londres.
O interessante é que o verdadeiro nome de Nellie Melba era Helen Porter Mitchell, nascida em Melbourne, Austrália. Seu nome artístico deriva de “Nellie” apelido de infância e “Melba” devido a Melbourne.
https://toriavey.com/toris-kitchen/opera-escoffier-and-peaches-the-story-behind-the-peach-melba/


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A receita original para 6 pessoas

6 pêssegos maduros
Açúcar refinado
12 bolas de sorvete de baunilha ou creme
1 xícara de suco fresco de framboesa ou amora
1 xícara de açúcar de confeiteiro
1 colher de sopa de sumo de limão

Colocar o pêssego inteiro em água fervente por 20 segundos. Retirar e colocá-lo em um recipiente de água com cubos de gelo, por cerca de 10 segundos.

(Observação 1: quando o pêssego maduro for muito duro, cozinhá-lo em água fervente até que fique macio)

Retirar a pele do pêssego cortá-lo pela metade e retirar o caroço. Fazer isso com os seis pêssegos, um por um.

Com os pêssegos prontos, mergulhá-los em uma tigela com água gelada e o sumo do limão por cerca de 10 minutos. Após esse tempo, retirar os pêssegos, secá-los com papel toalha colocá-los em um prato e passar açúcar refinado em todas as suas partes. Depois colocar na geladeira em recipiente tampado por cerca de uma hora.

(Observação 2: no Brasil é costume usar pêssegos em calda em lata. Nesse caso, pular as instruções acima)

Colocar as framboesas ou amoras em um liquidificador e bater bem. Passar o produto por uma peneira fina, apertando com uma colher para que passe o máximo de suco. Descartar o bagaço que ficar na peneira. Adicionar aos poucos o açúcar de confeiteiro ao suco, mexendo bem, até que todo o açúcar tenha sido incorporado. Levar à geladeira em recipiente tampado por cerca de uma hora.

Montagem. Um uma taça colocar duas bolas de sorvete. Em cima de cada bola, colocar uma metade do pêssego açucarado. Dividir  suco pelas seis taças, despejando sobre os pêssegos e o sorvete. Servir imediatamente.
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