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29 de jul. de 2013

In Memoriam

A Despedida de um Homem Livre

In Memoriam Dr. Felipe Jeremias Tortorella

Nesta sexta feira, 22 de março de 2013, nos deslocamos até Quatis, RJ, para participar das exéquias do amigo, Dr. Felipe. No cemitério da cidade, despojado e simples, entrou o séquito: Um grupo de cerca de cem pessoas acompanhava o féretro, que, sem qualquer luxo ou ostentação, abrigava o corpo do falecido.

Olhando em volta notei que acontecia algo diferente.   Pela pessoa do morto, pela qualidade da gente que o cercava e pela contrição que apresentava diante da cena que se ali se desenrolava.


Última foto em 13/03/2013 - Eu, Dr, Felipe e Wanda
 Não é intenção aqui de analisar, em suas várias facetas, a figura humana do extinto, mas sim destacar aquela que o tornou ímpar, que lhe deu notoriedade, e que lhe rendeu, afinal, a possibilidade de  montagem dessa última cena de sua vida. Essa sua característica sempre foi a independência e a liberdade. Uma pessoa que lutou na Faculdade de Medicina, numa época que  somente os mais capazes e mais competentes se formavam, sempre passando em primeiro lugar. Uma pessoa que amealhou um patrimônio razoável a custa de economia, parcimônia e suor do rosto.  Uma pessoa com conhecimentos profissionais incomparáveis. Um cidadão útil à sociedade. Um homem digno.

Mas, sua liberdade também lhe trouxe a desaprovação. Era desaprovado por ser simples, por andar com roupas puídas, por levar uma vida austera, sem luxos e sem ostentação, por não participar da vida social da cidade. Era reprovado por, sendo médico e ter posses, não pertencer a clubes como o Rotary, Lions ou à Maçonaria e muito menos se imiscuir com políticos e partidos em negociatas escusas.  Era reprovado por, mesmo obedecendo à ética médica, não se envolver com corporativismos da classe, não participar de associações médicas e não se pavonear em congressos.  Era reprovado por não fazer conchavos com a indústria farmacêutica,  laboratórios e planos de saúde.   Ele deu as costas ao sistema, mas o sistema não o ignorou  e sempre o sabotou.  Ele se recusou a andar na manada,  a trocar, como todos fazem, a honra e dignidade pelo aconchego das asas do poder.

As poucas dezenas de humildes que acorreram à derradeira despedida, porém, representavam os milhares que o respeitavam e nele confiavam. Um respeito nascido da comprovação de sua perene intenção de  lhes minimizar as mazelas e dor, sem, muitas vezes, nada exigir em troca. Respeito por se ver uma receita de chá de picão em lugar de um remédio caro de laboratório famoso, muitas vezes de eficiência menor que a prescrição caseira. Respeito por se ter um  diagnóstico baseado em seus excelentes treinamento e experiência médicas, sem  haver a necessidade de se recorrer a exames laboratoriais caros e, frequentemente desnecessários.  

Coisas que o sistema não perdoa. Como não perdoou a sua recusa em pagar para ter proteção, no melhor estilo mafioso, e, como castigo teve sua casa assaltada e foi massacrado a coronhadas. Mesmo assim, um dos bandidos encapuçado, com uma ponta de humanidade, ao vê-lo sangrando estirado no chão lhe disse: “Eu lhe conheço doutor e sei que o senhor não merece isso. Mas estamos cumprindo ordens. Desculpe doutor”. De nada isso adiantou.  Ele não mudou. Sua casa sofreu mais quatro assaltos, mas continuou com sua obra entre os desfavorecidos e a ignorar o sistema. 

Um homem livre,  pairando muito acima, separado da manada estúpida, que segue para o matadouro placidamente. Ele vivia em um nível superior, assombrando-se com aquilo que os amos faziam e fazem com os carneiros da manada. Ele era, no dizer de suas próprias palavras, um “livre pensador” aguardando a hora de voltar a ser poeira de estrelas.

E a hora chegou. Talvez o sistema tenha considerado que ignorá-lo na sua despedida final tenha sido uma boa providência. Engano de vocês, mestres da fraude e da escravidão.   E aqui a diferença foi esclarecida. Um funeral com apenas duas singelas coroas de flores, algumas dezenas de pessoas humildes à roda do jazigo e mais nada.  O momento, o local e a memória do médico não foram conspurcados. A presença dos humildes com sua sincera comoção e a ausência de engravatados foi a melhor homenagem que ele poderia ter recebido. 

Luis Valentin Vallejo
22/03/2013