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17 de out. de 2015

A Piscina

A Piscina

L. Valentin


O sonho de Fagundes, desde sua juventude, era ter uma casa com piscina. Mas, uma piscina de verdade, não um “pocinho”.  No mínimo 10  por 5 metros e  na parte funda no mínimo 2,2 metros, para se poder dar uns bons mergulhos de “ponta”.

Aposentado muito bem e com um bom pecúlio, imóveis alugados e rendimentos de previdência privada, Fagundes compra um terreno em um condomínio de classe media alta. Agora pode ver seu sonho realizado.  Manda construir a casa com o projeto de uma enorme piscina bem na frente da varanda.  Enquanto a construção se realiza, em passos lentos, a vizinhança de Fagundes cresce, pois os terrenos de sua rua foram adquiridos por  uma incorporadora que está construído várias casas a toque de caixa. 
Enquanto a obra de Fagundes  já está durando um ano faltando ainda uma parte para terminar, as casas da rua já ficaram prontas e estão sendo ocupadas por seus felizes compradores.
Quando enfim Fagundes pode se mudar para seu novo pedaço, toda a sua rua já está habitada e ele é o último morador  a  nela se instalar.  Fagundes está felicíssimo.  Custou, mas agora tem uma mini mansão com ótimo padrão de construção e, o principal, com a bela pisciana enfeitando seu jardim.

Sua felicidade ficou completa quando notou, no dia da mudança, a solidariedade dos vizinhos que ajudaram em tudo o que podiam.  E a cortesia continuou no outro dia, quando os dois vizinhos - o da esquerda e o da direita - logo de manhã  tocaram o interfone se oferecendo para ajudarem a arrumar tudo em seus lugares. E suas esposas chegaram solícitas dizendo que iam oferecer o almoço. Um paraíso.
Passam-se duas semanas. A casa de Fagundes já está em funcionamento pleno e seus vizinhos já deram provas que são verdadeiros amigos. Então,  para mostrar sua gratidão, nada como convidá-los para um bom banho de piscina.
Chega o sábado perfeito. Calorão de 38 graus. A água da piscina brilhando de tão limpa. Fagundes acordou cedo  aspirou a piscina, lavou as bordas e as espreguiçadeiras, colocou gelo no isopor e várias latinhas de cerveja e refrigerante e lá pelas 8 horas, ligou para os vizinhos, que, como num passe de mágica, apareceram quase que instantaneamente. Vieram o Portela, sua mulher Laura e suas duas crianças de 8 e 9 anos. Também apareceram o Simões, sua mulher Luisa e a filha de 15 anos.  Fagundes manda trazer uns petiscos e a festa ficou completa.

Foi um a ótima a manhã, não faltou cerveja super gelada nem refrigerantes e os  novos amigos se confraternizando.  Adélia, mulher de Fagundes, já sabendo o que ia acontecer, mandou a empregada fazer o almoço para todos, que não se fizeram de rogados e atacaram a comida lá pelas 2 horas da tarde.  Quando o dia estava acabando, o sol já tinha se escondido, a turma resolveu ir embora. Fagundes, que no início da manhã estava fervendo de animação, agora leva o último convidado para o portão com um alívio, quase que sobrenatural.
Vai então para o vestiário da piscina, apaga as luzes, dá descarga no vaso, fecha as portas, dá a volta na casa e entra na cozinha.
Adélia está arrumando uma pilha de pratos sujos na pia e ao notá-lo se vira e o encara.
- Que foi? - pergunta Fagundes com a voz cansada e arrastada.
- Primeira e última - diz Adélia apontando para a bagunça na pia - A Sofia (a empregada) vai ganhar uma porrada de horas extras para limpar essa bagunça. Fagundes balançou  cabeça e saiu da cozinha.
No domingo, Fagundes ficou quieto em seu canto e curtiu sozinho sua piscina. Na hora do almoço comentou com Adélia:
- Viu? Ninguém apareceu para encher o saco por causa da piscina. O que aconteceu ontem foi algo esporádico e nós estamos no controle.
- Vai pensando assim, bobalhão - falou Adélia - A Sofia reclamou demais e tive que levar ela a casa às 21:30h. Você pode esperar que minha intuição não falha. Essa piscina só vai dar dor de cabeça. E isso foi só o começo.
- Que nada - disse Fagundes - Você é do contra. Só isso.
Na segunda feira, Fagundes  acorda cedo e fica curtindo a piscina até as 10 horas. Depois do almoço vai resolver alguns assuntos na cidade e chega à casa já escurecendo.
- Com esse calor, vou dar um mergulho, mesmo já sendo noite - falou ele para Adélia
- É - disse ela com a cara amarrada - Vai se acostumando a mergulhar a noite. Porque, se a coisa continuar assim, de dia não vai dá prá você entrar nessa piscina.
- Uéééé - se espantou Fagundes - Não sei porquê.
- Simples - disse Adélia - Lá pelas três horas a filha do Simões ligou perguntado se podia dar um mergulho. Sem saber o que fazer, eu disse que podia. Ela chegou e quando trocou de roupa estava com um biquíni invisível. A parte de cima transparente e a de baixo, um verdadeiro fio.
- Deixa disso Adélia - Fagundes estava sorrindo - A menina só tem 15 anos. Isso é implicância sua.
- Ah - Adélia estava furiosa - Implicância? Menina? E você ri? Deixa comigo que agora eu vou rodar a baiana.
Fagundes balançou a cabeça, fez um gim tônica, colocou bastante gelo e foi para a piscina.
Na quinta feira Fagundes acordou tarde e foi para a piscina lá pelas 9 horas. Mal tinha dado umas braçadas, quando toca o interfone. Sofia vai atender e volta direto para ele.
- Seu Fagundes - disse ela - É a empregada do seu Portela. Ela disse que D. Laura mandou perguntar se pode mandar as crianças para dar um mergulho, porque hoje não teve aula.


Fagundes pensou um pouco e falou.
- Pode sim. Mas antes avise a Adélia.
Resultado: as crianças ficaram, lancharam, não quiseram almoçar, fizeram outro lanche à tarde e somente foram embora quando escureceu.
Fagundes almoçou e saiu de casa, para não escutar o falatório de Adélia, que teve que mandar Sofia ficar tomando conta dos moleques.  As tarefas de casa de Sofia não foram feitas, Adélia arrumou a cozinha, furiosa. Mas, já pensou se um daqueles moleques se afoga?
Fagundes voltou à tarde, correu e se escondeu no quarto fingindo que estava dormindo.
Na sexta à noite, Fagundes estava descansado, o dia tinha passado sem aborrecimentos, quando o telefone de Adélia toca. Era Laura perguntando se eles não iam sair no sábado e se a família poderia dar uma “piscinada”. Adélia ficou sem jeito e disse que tudo bem. Desligou olhou para Fagundes que fingiu estar prestando atenção no noticiário da TV e jogou o celular na sua cabeça com toda força. Fagundes gritou de dor e ia reclamar, mas Adélia correu e se trancou no quarto.  Nessa noite Fagundes dormiu em outro quarto.
Sábado logo cedo, Fagundes foi acordado com o interfone. Era a turma chegando para a “piscinada”.  Sofia pôs a turma para dentro e logo, logo, todos estavam dentro d’água. Fagundes se levantou, tomou café, escovou os dentes e partiu para a piscina também.
- Alguém tem que fazer sala para as visitas - se justificou para Adélia que derrubou a xícara de café de tanta raiva.
A diversão estava boa, quando toca o interfone. Era Simões e sua turma. Pronto, a farra estava completa.
- Hoje não dou almoço prá ninguém - Adélia rosnou na cozinha, quando Fagundes entrou para pegar umas cervejas - E chega de cerveja. Se quiserem bebam água e olhe lá.
- É, mas  a menina do Simões tá bem comportada. Tá até de maiô - quis justificar Fagundes
- Ah! Andou reparando né? -  Adélia ficou mais brava  - Já estou por aqui com essa gente - disse fazendo um gesto rente á boca.
O tempo passou. A cerveja acabou e Fagundes não se mexeu, até que Sofia passou por perto.
 - Ei, Sofia - chamou ele - Traz mais umas cervas.
Sofia foi e voltou com uma garrafa de água e um balde com gelo
- D. Adélia disse que acabou a cerveja e mandou  trazer isso.

A turma fez que não notou e começaram a beber a água gelada. Lá pelas 14 horas todos estavam trincando os dentes de fome. Fagundes deu uma desculpa e foi até a cozinha para comer um sanduba e tomar uma Coca.
Quando voltou à piscina notou que Portela e sua turma não estavam mais.
- Cadê o Portela? - perguntou ele ao Simões
- Acho que foi embora - respondeu este fingindo desinteresse
Beleza”, pensou Fagundes. “Agora só falta o Simões também se mandar”. Mas isso não aconteceu e já  passava mais de meia hora quando o interfone toca. Era Portela, voltando com a turma, todo mundo devidamente almoçado.
Portela se aproximou e iniciou uma conversa animada com Fagundes, enquanto  sua turma mergulhava. Fagundes, distraído com a conversa, não viu Simões sair com seu pessoal.
Quando notou, deu nova escapada para a cozinha.
- Puta que pariu - rosnou  - Esses filhos da puta estão saindo para almoçar mas deixando um plantão. E depois voltam. Também vou almoçar. Sofia faz um prato aí.
Enquanto comia, Adélia chegou e ficou olhando em silêncio.
- Tudo bom? - perguntou com uma calma feroz - Você ainda acha que isso é “esporádico”?
Fagundes comeu depressa e voltou para a piscina, bem a tempo de ver Simões retornar, agora bem alimentado.
E assim se passam as semanas de verão. Fagundes e Adélia perderam completamente a privacidade. Não havia dia da semana que falhasse. Bastava estar calor e sempre alguém aparecia. Sábado e domingo, então nem se fala.
Os vizinhos estão íntimos. Chegam se acomodam e nem se importam se os donos da casa não aparecem.  Agora também trazem lanches e bebidas, pois Fagundes parou de fornecer até água.
- A gente tem que dar um paradeiro nisso - falou Fagundes, certo dia, ao café da manhã.
- Como? - respondeu Adélia desanimada
- Não sei por que vocês complicam tudo - meteu a colher Sofia - Basta trancar o portão e dizer que acabou o clube e a piscina está fechada.
- É beleza? E arrumar intriga com todos os vizinhos? - falou Adélia - A pior coisa que existe  é ter um vizinho inimigo. Se isso acontecer só mudando de casa.
- Tem que haver uma solução... - murmurou Fagundes
E passam as semanas. Certo dia, Laura aparece também com uma irmã e seus dois filhos. Outra ocasião,  Luísa chega com uma vizinha do começo da rua, a 50 metros, com a família, sogra e cunhado funkeiro. Quem identificou foi Sofia, que avisou a patroa:
- Hoje a mulher lá começo da rua e seus chegados também vieram dar um mergulho.
E finalmente,  Laura trouxe novamente a irmã, que trouxe ainda sua vizinha com  três filhos menores. Isso deixou Fagundes irritadíssimo.

- Eu já não posso curtir minha piscina e ainda está chegando gente até do Paraguai para se refrescar aqui. Vou dar um basta nisso. E rápido.
- É bom mesmo - disse Adélia - A conta de água sobe todo mês. Daqui a pouco nós vamos falir.
- Isso sem falar que Betão (o tratador da piscina) - disse Sofia - avisou que vai ter que vir duas vezes por semana. Uma vez só não tá dando para manter a água boa.
- Nem fudendo - Fagundes se irritou mais e logo ficou calmo - Pensando bem, isso me deu uma ideia.  Acho que descobri como resolver essa situação.
A ideia de Fagundes foi deixar a piscina suja, aliás, sujá-la de propósito. Mandou retirar os filtros, colocou um corante marrom na água que a deixou com uma cor esverdeada bem repelente. As folhas e poeira que caiam na água sem filtragem fizeram o resto do serviço.
Quem primeiro notou foi  Simões, que chegou, olhou e saiu sem dizer palavra. Logo Portela ficou sabendo e todos viraram a cara para Fagundes. Agora  o clube estava vazio e os vizinhos mal se cumprimentavam.  O caldo azedou de vez.
Fagundes passou o inverno tranquilo, olhando sua amada piscina ficar cada vez mais imunda e desgastada. Betão avisou que ele ia ter que comprar uma nova, se continuasse sem fazer a manutenção.
Estou aqui pensando - disse Fagundes a Adélia - Ficamos aqui sem ambiente, sem piscina e com mal estar.
- E o que você quer fazer? - falou ela
- Não sei se você concorda - disse ele - Mas pensei em vender a casa e comprar um sítio, num lugar onde os vizinhos estejam bem longe.
- Prá mim, tudo bem - disse Adélia
E assim foi feito. Depois de anunciada, apareceu um interessado. Pessoa distinta, casada, com um filho pequeno, empresário bem sucedido. Olhou a casa e viu a piscina suja.
- Gostei muito, seu Fagundes - disse ele - É exatamente o que eu queria. Só tem essa piscina que está lastimável.
- Nada disso, meu caro - disse Fagundes, abrindo uma pasta e mostrando uma foto da piscina quando foi inaugurada - Olhe como era a piscina e como vai ficar.
Lógico que dos vizinhos, Fagundes não disse uma palavra. A foto estava linda e o comprador se animou.
- Agora sim. Se ela ficar assim o negócio tá fechado.
Fagundes então chamou Betão, que, com uma equipe dando duro, em uma semana deixou a piscina como nova. Todos os dias o futuro comprador vinha até a casa para ver o progresso da reforma. Fecharam o contrato em uma sexta feira e no domingo Fagundes o convidou para almoçar e inspecionar o imóvel que tinha comprado.
Na saída, no fim da tarde, o comprador, já no portão, olhou extasiado para a piscina novinha, novinha.
- Ter uma casa e uma piscina como essa sempre foi meu sonho - falou ele
Fagundes deu uma risadinha sinistra e respondeu:
- Pois acabou de realizar. Espero que se divirta.....


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Este é um caso verídico e situações semelhantes acontecem com pessoas que têm piscinas e vizinhos. Portanto, apesar dos lugares, situações e nomes serem fictícios, pode acontecer que exista alguma semelhança com personagens reais, o que deixamos bem claro ser isso mera coincidência.
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