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20 de jul. de 2014

Quando é preciso ter medo

A Fúria das Trevas
L. Vallejo
18/07/2014

“Existem poucas coisas mais perigosas que a certeza religiosa adquirida desde a infância”
Bart D. Ehrman

O que é o medo? Sem pretender entrar na seara biológica, podemos dizer que, sucintamente, o medo é um instinto primordial e relevante para a preservação da vida. Sua função é reconhecer um perigo e preparar o corpo para tomar uma ação. Essa ação geralmente é de proteção ou de ataque. Em ambas o corpo sofre alterações metabólicas instantâneas tais como aumento da frequência e pressão sanguínea e liberação de adrenalina.

Para a intenção deste artigo, onde desejamos estudar o fanático religioso que se transforma em um insano assassino, devemos entender que o medo é uma função disponibilizada pelo corpo em situações especiais, ou seja, a regra geral para o bom funcionamento do corpo é não se ter medo e tê-lo somente em caso de perigo. 
Mortos na fazenda de Jim Jones
Todos sabem, de uma forma ou de outra, o que significa ser um fanático, mas poucos sabem a origem da palavra. O termo “fan” é um antepositivo, derivado de “fanum” que em latim significa templo, lugar de culto, lugar sagrado. Assim fanático seria aquele pertencente a um templo, servidor do templo, pessoa que vive no templo, termo esse que tomou o sentido pejorativo de entusiástico, delirante, louco, insano, furioso. Atualmente significa alguém cujo entusiasmo por alguma entidade ou pessoa passa dos limites racionais para se tornar patológico, produzindo psicoses e psicopatias que levam o indivíduo a se isolar da realidade e agir de forma não previsível, anti-social e violenta.

Existem fanáticos de todos os tipos e todos os graus: pelo esporte, pelo país (uma consequência do patriotismo exagerado), por pessoas (geralmente artistas de cinema e TV), por carros, etc, e o pior e mais perigoso tipo: por religião.

O fanático por religião é o mais temível apenas por dois fatores que o diferencia dos outros: ele passa todos os momentos de sua vida acometido de tenebroso medo e, absolutamente, jamais parece perigoso a qualquer um que o cerca.

Ninguém pode contar com precisão como foi o desenvolvimento dos primeiros grupos humanos, mas, com poucas chances de erro, pode-se visualizar como surgiu a religião. O hominídeo primitivo sabia pouquíssimo da realidade da natureza (como uma multidão ainda hoje não sabe) e seu conhecimento do mundo que o cercava se resumia a acreditar que havia um outro mundo, sobrenatural, que não estava ao seu alcance, mas era real. Essa era a sua conclusão ao testemunhar eventos naturais, como um raio, relâmpagos, o trovão (que 90% dos terráqueos ainda não sabe o que seja), o nascer e por do sol e da lua, um maremoto, terremoto, tempestade, chuva de granizo, etc. Provavelmente algum esperto membro da tribo, talvez um curandeiro, e quase com certeza, uma mulher, em um longo lapso de tempo, descobriu que poderia enganar a todos proclamando deter poderes para se comunicar com esse mundo sobrenatural e interceder junto a seus habitantes - os deuses - em favor das pessoas. Bastando acertar de vez em quando, notou que seus poucos acertos apagavam os muitos erros, dando-lhe cada vez mais prestígio e poder, e com essa estratégia criou a religião e a classe dos sacerdotes.

A humanidade, mesmo a despeito disso, progrediu até chegar ao antigo Egito, a fonte de toda inspiração religiosa do ocidente e do mundo. Mais uma vez, não se aplica aqui um estudo do aperfeiçoamento da religião e do mundo sobrenatural feito pelos sacerdotes egípcios, mas os que entendem inglês podem mergulhar nos livros de Gerald Massey, principalmente “Ancient Egypt, The Light of the World” uma enciclopédica obra em 12 volumes, ou ler aqui uma de suas conferências, “O Jesus Histórico e o Cristo Mítico”, que traduzimos e publicamos.

Todas estruturas das religiões atuais nasceram lá, há milhares de anos, inclusive a criação da noção de inferno, como nota o arqueólogo Gordon Childe, em seu livro “What Happened in History”:
"Deram às nebulosas e fluidas superstições da barbárie - da qual acabavam de sair a Suméria e o Egito - as formas mais rígidas de dogmas teológicos, que, apoiados por Igrejas organizadas, defendiam os interesses dos sacerdotes, dos seus patronos reais e reis divinos. (...) com o inferno (...) estava criado o mais poderoso instrumento para o domínio da vontade incontrolável dos homens"
E de onde provém o poder do inferno? Simplesmente do medo, do pânico, do terror que inspira ao infeliz que acredita nele. Os sacerdotes construíram um enredo sem lógica, apoiado em nada além da emoção e boa fé de ignorantes que preenchem a cabeça vazia de conhecimentos verdadeiros com teorias destrambelhadas racionalmente, mas eficientes em atingir o emocional e dominar a vontade das pessoas incautas.

Passados mais de 5 mil anos, o sistema e as pessoas continuam os mesmos e, como nunca, o medo irracional de ter a alma (conceito igualmente irracional) - ou espírito, que os sacerdotes egípcios, só para complicar, ensinavam ser dividida em 3 outras entidades - queimando eternamente (outro conceito irracional) no fogo do inferno (mais irracionalidade) domina os apavorados crentes em tais histórias.

Veja que não se designa um desses teomaníacos como um “amante de deus”, mas sim como “temente a deus”. Ou seja, alguém que tem medo de deus, dos castigos que ele promete aos que não seguem as regras saídas da boca de iluminados, revelados, filhos de deus, sacerdotes, que dizem que falam por ele. Se as pessoas fossem racionais, começariam a fazer três perguntas simples: 1-Por que deus precisa de intermediários para informar sua vontade aos homens? 2 - Qual é a finalidade do homem para deus? Por que deus precisa do homem? Deus precisa de algo? 3 - Pode a suprema perfeição gerar algo imperfeito a não ser por vontade própria? Nesse caso qual seria a finalidade de um ser perfeito, que se basta a si mesmo, que não precisa de nada, ingênito, eterno, imutável, gerar algo imperfeito? Para brincar? Para experimentar?

Enquanto o leitor pensa nas respostas a tais perguntas, chegamos então ao fanático, ao temente a deus, aquele que vive em constante estado de terror com medo de castigos divinos. Voltaire disse a respeito deles:
"O fanatismo está para a superstição, como o delírio está para a febre, e fúria para a raiva: aquele que tem êxtases e visões, que toma os sonhos por realidades e pensamentos por profecias, é apenas um visionário, mas quando não hesita em utilizar o assassinato para apoiar sua loucura, é um fanático.
Já Diderot também avisava:Do fanatismo para o barbarismo é somente um passo.” Ou seja, a capacidade de cometer atrocidades está altamente desenvolvida em um fanático religioso, principalmente devido ao estado de medo em que permanentemente vive. Esse estado de medo que deveria aparecer somente diante de um perigo, transforma, com sua constância e perenidade, as reações psicológicas do fanático. O corpo não pode trabalhar normalmente com o consciente e o inconsciente em permanente estado de medo e o fanático tem todo o seu sistema biológico alterado, principalmente o metabolismo e as reações psicológicas e emocionais.

Mas o fanático vive. Além de pertencer ao templo, ele se alimenta, dorme, anda, conversa e mora em uma casa como qualquer outra pessoa. Todos o apontam como incapaz de fazer o mal. Ele é insuspeito, gentil, educado, tímido e, quando adolescente ou criança, é um “doce”, terno, meigo, carinhoso e “se não fosse a sua esquisitice religiosa” seria o ser perfeito. Eis aí o perigo! Vejamos alguns exemplos:
  1. Jim Jones
    Em 1973, o fanático religioso James Warren Jones, conhecido como Jim Jones, líder da igreja “Templo do Povo”, saiu da Califórnia e se instalou com seguidores numa região remota da selva da Guyana. Jones mantinha os fieis sob regime de trabalho escravo e os controlava totalmente. Paranóico e drogado, em 18 de novembro de 1978, obrigou toda a comunidade a ingerir um suco envenenado. Morreram 918 pessoas, sendo 276 crianças. Jones morreu com um tiro na cabeça, não se podendo apurar quem efetuou o disparo.

    Mortos na fazenda de Jim Jones









     
    Incendio no rancho Davidiano de David Koresh em Waco
  2. Vernon Wayne Howell, também conhecido como David Koresh, outro fanático religioso, entrou para uma igreja chamada “Ramo Davidiano”, instalada na cidade de Waco, Texas. Subindo na hierarquia conseguiu ser líder e profeta. Um de seus preceitos era que todas as mulheres da igreja deveriam ter relações sexuais com ele para serem purificadas. Em 28 de fevereiro de 1993 o FBI decidiu invadir a fazenda da igreja, à procura de drogas. Numa incursão, morreram 4 agentes do FBI e seis membros da igreja. Então os agentes fizeram um cerco à fazenda que durou 51 dias, quando resolveram invadir a sede, acreditando que Koresh estaria pretendendo que todos se suicidassem. No momento do ataque, três focos de incêndio apareceram simultaneamente dentro do edifício, o que provocou a morte de 75 pessoas, inclusive Koresh, escapando apenas 9.

  3. Em 2010, um jovem de 14 anos, CJ Jones, em State Island, New York, esperou a família dormir e cortou a garganta de sua mãe, de 32 anos, e três irmãs (10, 7 e 2 anos), incendiou sua casa e depois se suicidou cortando a própria garganta com uma navalha super afiada. 

    Nehemiah Griego
  4. Em 2013, em New Mexico, Nehemiah Griego, de 15 anos, de madrugada, matou a tiros sua mãe de 40 anos, suas irmãs de 9, 5 e 2 anos e depois esperou o pai, um pastor que trabalhava numa missão, chegar à casa, quando também o matou. Depois foi à Igreja, onde contou os assassinatos e foi preso.

  5. Em 1971, John List, com 46 anos, em New Jersey, matou em casa, sua mãe, sua mulher e três filhos.
    Família Browning. Nicholas de calça verde
  6. Em 2 de fevereiro de 2008, em Cockeysville, Baltimore, Nicholas Browning, de 15 anos, matou a tiros, enquanto dormiam, seus pais e dois irmãos.

  7. Em agosto de 2013 Marcelo Pesseghimi, de 13 anos, em São Paulo, SP, foi responsabilizado por matar os pais, a avó e tia, e depois cometer suicídio. 


    Família Pesseghini
    Elliot Rodger
  8. Em 23 de maio de 2014, em Santa Bárbara, Califórnia, o estudante Elliot Rodger, chamado “assassino virgem”, de 22 anos, na Universidade da Califórnia matou 6, feriu 13 e depois se suicidou. Seu pai o descreveu como “um rapaz lindo, bondoso e carinhoso”.
A lista é grande, e excetuando os casos de líderes religiosos fanáticos, todos têm uma característica recorrente: os familiares que não foram mortos declaram seu espanto e descrevem o assassino como fez o pai de Rodger. Ou seja, todos acreditavam piamente que nada havia a temer da parte daquele membro fanático da família. As vítimas morreram sem sentir medo.
Jordan Brown - 11 anos - matou o pai enquanto dormia

Peter Rodger, o pai de Elliot, traçou claro panorama sobre a tragédia que seu filho cometeu. Elliot deixou um manifesto com 140 páginas, onde dizia que odiava as mulheres, lamentando ser virgem até aquela idade e dizendo estar planejando uma vingança por isso. Apesar de não ser fanático religioso, ele encobria perfeitamente os distúrbios mentais que possuía, enganando a todos, exatamente como fazem aqueles. Peter declarou: Eu acho que ele sofria uma doença mental (...) essa é uma história de horror mundial, quando alguém aparenta ser uma coisa por fora e por dentro é algo completamente diferente. E ninguém percebe isso. (...) se ele estivesse aqui agora, todos se espantariam com sua educação. (...) Estou de luto pelo garoto solitário Elliot, que faleceu devido a uma doença monstruosa que nenhum de nós sabia que era tão grave. (...) Meu dever agora é fazer o melhor que puder para evitar que isso aconteça novamente. (...) Nenhum de nós compreendeu o que se passava em sua cabeça (...) agora, revisando o passado pela óptica desse trágico evento, começo a entender que existem pistas, sinais, se preferirem, que os membros da família devem procurar em seus entes queridos.

Zachary Neagle - 14 anos - matou o pai
Michael Perrotti, Neuropsicólogo forense na Califórnia diz a respeito das mortes causadas por jovens: Neurologicamente, os jovens não possuem o mesmo controle dos adultos. Neles a depressão é mais grave e os atos violentos mais extremos. (...) É um estado mental, onde o grau de violência aumenta cada vez mais. Isso toma conta de seu interior, muito antes de ocorrer a ação, particularmente dentro de ambiente familiar.

Peter Rodger teve uma boa ideia. Repetimos, o fanático vive e está ao nosso lado. Precisamos a aprender a descobrir os sinais de seu estado mental. E, principalmente, quando se tem um fanático dormindo sob o mesmo teto, e não se comunga com seu pensamento, nem se segue a sua religião, precisa-se TER MEDO DELE. E não importa sua idade, desde que tenha força para segurar uma arma, branca ou de fogo.

Esse medo nos fará raciocinar com clareza. Ele é educado, bom, carinhoso, mas também fanático, um doente mental. Perrotti alerta que o estado de dissociação mental toma conta da pessoa lentamente até explodir em violência desenfreada. A escritora Mercedes Lackey nos diz:
Os fanáticos podem justificar para si mesmos qualquer atrocidade. Quanto mais sua posição fica insustentável, quanto mais difícil defendê-la, piores são as coisas que eles fazem para tentar mantê-la”.

As famílias temerosas serão as que terão alguma chance de não serem dizimadas enquanto dormem. Procurar descobrir os sinais de degeneração mental e pedir ajuda especializada é um dos caminhos a seguir. Outros são: Tentar diferenciar um comportamento excêntrico de uma alteração comportamental grave. Tentar evitar condescender, fingir que o problema não existe e é grave. E tomar precauções simples, tais como colocar ferrolhos nas portas dos quartos (e usá-los), colocar detector de vazamento de gás na cozinha, desconfiar de comida e bebida fornecidas ou manipuladas pelo fanático, principalmente se ele não as ingere, verificar em que ele gasta o seu dinheiro, vigiar os sites que ele frequenta na internet e interpretar corretamente os sinais de brusca mudança de comportamento.

É fazer isso ou correr o risco de ser confundido com um demônio e exterminado no meio da noite pela mão de alguém que, enlouquecido pelo medo, tenta desesperadamente se livrar de inimigos ferozes tão próximos dele.


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