A
Despedida de um Homem Livre
In
Memoriam Dr. Felipe Jeremias Tortorella
Nesta
sexta feira, 22 de março de 2013, nos deslocamos até Quatis, RJ, para
participar das exéquias do amigo, Dr. Felipe. No cemitério da cidade, despojado
e simples, entrou o séquito: Um grupo de cerca de cem pessoas acompanhava o
féretro, que, sem qualquer luxo ou ostentação, abrigava o corpo do falecido.
Olhando
em volta notei que acontecia algo diferente.
Pela pessoa do morto, pela qualidade da gente que o cercava e pela
contrição que apresentava diante da cena que se ali se desenrolava.
Última foto em 13/03/2013 - Eu, Dr, Felipe e Wanda |
Não
é intenção aqui de analisar, em suas várias facetas, a figura humana do
extinto, mas sim destacar aquela que o tornou ímpar, que lhe deu notoriedade, e
que lhe rendeu, afinal, a possibilidade de montagem dessa última cena de sua vida. Essa
sua característica sempre foi a independência e a liberdade. Uma pessoa que
lutou na Faculdade de Medicina, numa época que
somente os mais capazes e mais competentes se formavam, sempre passando
em primeiro lugar. Uma pessoa que amealhou um patrimônio razoável a custa de
economia, parcimônia e suor do rosto. Uma
pessoa com conhecimentos profissionais incomparáveis. Um cidadão útil à
sociedade. Um homem digno.
Mas,
sua liberdade também lhe trouxe a desaprovação. Era desaprovado por ser
simples, por andar com roupas puídas, por levar uma vida austera, sem luxos e
sem ostentação, por não participar da vida social da cidade. Era reprovado por,
sendo médico e ter posses, não pertencer a clubes como o Rotary, Lions ou à Maçonaria
e muito menos se imiscuir com políticos e partidos em negociatas escusas. Era reprovado por, mesmo obedecendo à ética
médica, não se envolver com corporativismos da classe, não participar de
associações médicas e não se pavonear em congressos. Era reprovado por não fazer conchavos com a
indústria farmacêutica, laboratórios e
planos de saúde. Ele deu as costas ao
sistema, mas o sistema não o ignorou e
sempre o sabotou. Ele se recusou a andar
na manada, a trocar, como todos fazem, a
honra e dignidade pelo aconchego das asas do poder.
As
poucas dezenas de humildes que acorreram à derradeira despedida, porém,
representavam os milhares que o respeitavam e nele confiavam. Um respeito
nascido da comprovação de sua perene intenção de lhes minimizar as mazelas e dor, sem, muitas
vezes, nada exigir em troca. Respeito por se ver uma receita de chá de picão em
lugar de um remédio caro de laboratório famoso, muitas vezes de eficiência
menor que a prescrição caseira. Respeito por se ter um diagnóstico baseado em seus excelentes treinamento
e experiência médicas, sem haver a
necessidade de se recorrer a exames laboratoriais caros e, frequentemente
desnecessários.
Coisas
que o sistema não perdoa. Como não perdoou a sua recusa em pagar para ter
proteção, no melhor estilo mafioso, e, como castigo teve sua casa assaltada e
foi massacrado a coronhadas. Mesmo assim, um dos bandidos encapuçado, com uma
ponta de humanidade, ao vê-lo sangrando estirado no chão lhe disse: “Eu lhe conheço doutor e sei que o senhor não
merece isso. Mas estamos cumprindo ordens. Desculpe doutor”. De nada isso
adiantou. Ele não mudou. Sua casa sofreu
mais quatro assaltos, mas continuou com sua obra entre os desfavorecidos e a
ignorar o sistema.
Um
homem livre, pairando muito acima,
separado da manada estúpida, que segue para o matadouro placidamente. Ele vivia
em um nível superior, assombrando-se com aquilo que os amos faziam e fazem com
os carneiros da manada. Ele era, no dizer de suas próprias palavras, um “livre pensador” aguardando a hora de
voltar a ser poeira de estrelas.
E
a hora chegou. Talvez o sistema tenha considerado que ignorá-lo na sua
despedida final tenha sido uma boa providência. Engano de vocês, mestres da
fraude e da escravidão. E aqui a diferença
foi esclarecida. Um funeral com apenas duas singelas coroas de flores, algumas
dezenas de pessoas humildes à roda do jazigo e mais nada. O momento, o local e a memória do médico não
foram conspurcados. A presença dos humildes com sua sincera comoção e a ausência
de engravatados foi a melhor homenagem que ele poderia ter recebido.
Luis
Valentin Vallejo
22/03/2013